A UGT e os seus três Sindicatos dos Bancários – Mais Sindicato, SBC e SBN – encomendaram um estudo para avaliar os índices de
burnout e de riscos psicossociais neste setor de atividade. Os resultados são claros: os níveis nos bancários são superiores à média da população portuguesa
Samuel Antunes*
A Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho (EU-OSHA, 2007) considera que os riscos psicossociais são, hoje, um dos maiores desafios para a segurança e saúde no trabalho na Europa, pela ameaça que representam para a saúde física e mental dos trabalhadores.
O reconhecimento dos riscos psicossociais como um dos desafios para a segurança e saúde no trabalho implica que se perceba qual o peso desses riscos na saúde dos trabalhadores, qual a abordagem mais eficaz desta temática e de que forma se pode intervir nas situações de trabalho para criar condições que permitam a sua gestão, com vista a uma melhor saúde, segurança e bem-estar. A redução dos riscos psicossociais no local de trabalho é benéfico não só para os trabalhadores, mas também para a organização, devendo ser uma prioridade em todas as Organizações e constituindo-se como uma obrigação legal (EU-OSHA, 2014).
Riscos**
A Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1986, definia “os riscos psicossociais como o conjunto de fatores que podem afetar a integridade física e mental das pessoas”. Estes riscos prendem-se com o contexto e organização do trabalho, com a carga e as exigências (físicas, cognitivas e emocionais) das tarefas, com o equilíbrio vida profissional-vida familiar e pessoal e com a comunicação e as relações entre lideranças e colaboradores e as relações destes entre si.
Sintomas
A exposição prolongada a riscos psicossociais está associada a vários problemas de saúde mental e física, incluindo ansiedade, depressão,
burnout, tentativas de suicídio, perturbações do sono, lombalgias, fadiga crónica, problemas digestivos, doenças autoimunes, imunodeficiência, problemas dermatológicos, perturbações alimentares, adição a substâncias (incluindo álcool), doenças cardiovasculares, hipertensão arterial e úlceras gastrointestinais (Antunes, 2021).
Stresse prolongado
A investigação tem mostrado que o stresse prolongado, resultante da exposição aos riscos psicossociais, tende a evoluir para um quadro de
burnout.
O
burnout pode ser definido como “uma síndrome psicológica, caracterizada por elevada exaustão emocional, elevada despersonalização e baixa realização profissional, que conduz à erosão dos valores pessoais, profissionais e de saúde” (Mâroco et. al., 2016).
Esta síndrome psicológica passou a ser apresentada como um quadro clínico, especificamente associado ao contexto de trabalho (Schaufeli & Buunk, 2003) e que para além da exaustão, apresenta sintomas de cinismo/ despersonalização e perda de eficácia/realização (Schaufeli & Enzmann, 1998; Marques Pinto et al., 2008). Isto é, pessoas com indicadores de
burnout poderão apresentar um elevado distanciamento do trabalho, diminuição do seu desempenho e exaustão física e psicológica.
Hoje é consensual, entre os vários autores, que o
burnout surge como uma resposta complexa ao stresse profissional prolongado ou crónico (Gil-Monte & Peiró, 1997). Alguns autores consideram esta síndrome um problema de saúde pública, dadas as suas implicações na saúde física e mental dos trabalhadores, e o sério compromisso negativo visível na qualidade de vida (Gil- Monte, 2009).
Pressões intensas na banca
Os trabalhadores e trabalhadoras do Setor Bancário encontram-se sujeitos a pressões intensas e particulares, resultantes da natureza da atividade profissional, nomeadamente sobrecarga e pulverização de tarefas, redução de efetivos, instabilidade e incerteza quanto ao futuro profissional, entre outras.
A constatação desta realidade levou a UGT e o Sindicatos dos Bancários a querer conhecer a perceção dos profissionais do setor bancário, quanto à sua exposição a fatores de risco psicossociais e a identificação de potenciais indicadores de
burnout.
A Think People foi a empresa selecionada em concurso público, pela UGT, para avaliar os índices de
burnout e de riscos psicossociais neste setor de atividades. A divulgação do questionário foi feita através dos Sindicatos representativos do Setor Bancário.
Os questionários utilizados para o presente estudo foram o Copenhagen Psychosocial Questionnaire, a versão média (COPSOQ II) aferida para a população portuguesa, por uma equipa de investigadores da Universidade de Aveiro (Silva et al., 2012) e que avalia 29 subdimensões de fatores psicossociais e o Oldenburg Burnout Inventory (OLBI) que avalia o
burnout e é constituído por 2 subescalas que avaliam a exaustão e o distanciamento (disengagement). A versão utilizada foi a aferida para a população portuguesa por Sinval, et al., (2019).
A amostra é constituída por 2460 trabalhadores de todo o País (1256 do sexo feminino e 1204 do sexo masculino), dos quais 1964 não chefias, 423 chefias e 73 quadros diretivos. A participação foi superior nos distritos de Lisboa, Porto e Setúbal.
Níveis de
burnout
Os resultados obtidos com o OLBI, confirmam que estes profissionais apresentam níveis de
burnout (burnout dos participantes = 3,29) superiores à média da população portuguesa (2,69).
Os trabalhadores e as trabalhadoras do setor bancário apresentam níveis de exaustão física, cognitiva e emocional elevados (3,4), claramente superiores à média da população portuguesa (2,8), que se traduzem em distanciamento (3,18), isto é, desligamento relativamente ao trabalho e comportamentos e atitudes negativas e cínicas face ao trabalho, valores claramente superiores à média nacional (2,56).
Quando comparamos as categorias profissionais, são os que não têm funções de chefia que apresentam níveis mais elevados de
burnout (burnout: não chefias=3,32; chefia=3,25; função diretiva=2,92). Na comparação entre sexos, verifica-se que são as mulheres as que apresentam níveis mais elevados de
burnout (burnout: mulheres=3,35; homens=3,24).
Sem violência
Relativamente aos resultados do COPSOQ II, os resultados encontrados permitem concluir que 60,5% dos profissionais do sector bancário atribuem um significado positivo ao seu trabalho e 57,4% veem a sua atual atividade profissional como promotora de oportunidades de desenvolvimento e de aquisição de novas competências.
Para 65,4% dos profissionais a natureza do trabalho proposto, os objetivos a alcançar e as expectativas relativamente ao desempenho são claras e percebidas de forma positiva e com naturalidade por estes profissionais. É de realçar o facto de que 96,8% dos participantes consideram que não há violência física nem psicológica na sua atividade profissional.
Níveis de burnout dos profissionais bancários
Exigências elevadas
Os resultados da avaliação dos riscos psicossociais com o COPSOQ II, corroboram os resultados do questionário de
burnout e em parte explicam-nos. Evidenciam a existência de risco elevado ao nível das de exigências laborais (48,3% de risco elevado na subescala Exigências Quantitativas; 66,4% de risco elevado na subescala Ritmo de Trabalho; 71,7% de risco elevado na subescala Exigências Cognitivas e 70,1% de risco elevado na subescala Exigências Emocionais).
A ausência de equilíbrio entre a vida profissional e a vida pessoal e familiar é outro dos riscos psicossociais apontado por estes profissionais (50,9% de risco elevado na subescala Conflito Trabalho/Família). São significativos os resultados da subescala Insegurança Laboral (43,5% de risco elevado), apontando para a existência de insegurança e incerteza quanto ao futuro profissional destes profissionais.
A maioria dos participantes, percecionou a qualidade da liderança como um fator de risco moderado (45,7%) ou elevado (28%).
Saúde e bem-estar afetados
Os dados obtidos relativamente à saúde e bem-estar destes profissionais revelam resultados preocupantes ao nível do stresse (43,3% de risco elevado na subescala Stresse), ao nível de sono (36,1% de risco elevado na subescala Problemas em Dormir), dos sintomas depressivos (34,3% de risco elevado na subescala Sintomas Depressivos) e dos níveis de
burnout (47,3% de risco elevado na subescala
Burnout).
Os resultados deste estudo demonstram a necessidade de revisão das condições em que estes profissionais exercem a sua atividade profissional (exigências quantitativas, de ritmo, emocionais e cognitivas) e que se traduzem numa sobrecarga mental, emocional e física. É fundamental a implementação de uma cultura organizacional mais orientada para a promoção do bem- estar e da qualidade de vida no trabalho.
O que fazer |
As medidas corretivas que propomos passam por: -
Criação de um programa de prevenção de
burnout em todas as instituições bancárias, de modo a permitir aos trabalhadores que o desejarem terem apoio psicológico para fazerem face a esta situação crítica de
burnout;
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Criação de um programa de formação de líderes, centrado na criação de locais de trabalho saudáveis e na promoção do bem-estar e qualidade de vida laboral;
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Criação, em cada instituição, de um programa orientado para a construção de locais de trabalho saudáveis;
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Promoção de ações de formação que permitam aos trabalhadores adquirirem competências para fazer face ao stresse e ao
burnout;
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Criação de programas, nos locais de trabalho, que estimulem estilos de vida saudável, higiene do sono e equilíbrio vida profissional/vida pessoal e familiar;
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Avaliação periódica dos riscos psicossociais em cada instituição bancária.
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Bibliografia |
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Antunes,S. (2021). Psicologia da Saúde Ocupacional in Manual de Psicologia da Saúde, Isabel Leal & J., Pais Ribeiro (Coord.). Lisboa: Pactor Editora.
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EU-OSHA (2007). Expert forecast on emerging psychosocial risks related to occupational safety and health. Luxembourg: Office for Official Publications of the European Communities.
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EU OSHA (2014). Guia eletrónico para a gestão do stress e dos riscos psicossociais. [online]. Disponível em: https://www.healthy workplaces.eu/pt/tools and resources/a guide to psychosocial risks.
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Gil-Monte, P. & Peiró, J. Mª. (1997). Desgaste psíquico en el trabajo: El Síndrome de Quemarse. Madrid: Editorial Síntesis
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Gil-Monte, P. R. (2009). Algunas razones para considerar los riesgos psicosociales en el trabajo y sus consecuencias en la salud pública. Rev Esp Salud Pública, 83 (2),169-173.
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International Labour Organization (1986). Psychosocial Factors at Work: Recognition and Control. Occupational Safety and Health Series, 56
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Marôco, J. ,Marôco, A. L., Leite, E., Bastos, C., Vazão, M. J., Campos, J. (2016). Burnout em Profissionais de Saúde Portugueses: Uma Análise a Nível Nacional, Acta Médica Portuguesa, 29(1):24-30.
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Marques Pinto, A., Lima, M. L., & Lopes da Silva, A., (2008). Delimitação do conceito de burnout. In Marques Pinto, A., & Chambel, M.J. (Eds.). Burnout e engagement em contexto organizacional. Estudos com amostras portuguesas. Lisboa, Portugal: Livros Horizonte.
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Silva, C., Amaral, V., Pereira, A., Bem-Haja, P., Pereira, A., Rodrigues, V., … Nossa, P. (2012). Copenhagen Psychosocial Questionnaire - COPSOQ - Portugal e países africanos de língua oficial portuguesa. (C. Fernandes da Silva, Ed.) (1st ed.). Universidade de Aveiro.
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Sinval, J., Queirós, C., Pasian, S., Marôco, J. (2019). Transcultural Adaptation of the Oldenburg Burnout Inventory (OLBI) for Brazil and Portugal. Frontiers in Psychology 10:338.
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*Managing Partner da THINK PEOPLE
**Subtítulos da responsabilidade da Redação