Clara Azevedo e Ana Catarina Ângelo foram convidadas a explicar a sua técnica inovadora para cirurgias do ombro num curso internacional em direto
Elsa Andrade
Clara Azevedo e Ana Catarina Ângelo desenvolveram uma técnica inovadora e menos agressiva para a problemática das roturas da coifa dos rotadores (um dos grupos de músculos mais importantes para a mobilidade do ombro) que tem recebido o interesse da comunidade médica e científica. As duas ortopedistas do SAMS foram convidadas a participar num curso internacional para ensinarem a sua técnica a especialistas de todo o mundo. Trata-se do Toulouse Advanced Shoulder Couse – 24 hours non-stop surgical procedures, conhecido como Le Mans por analogia à famosa prova automobilística, pois na origem o curso era de 24 horas/24 cirurgias. A sua dinâmica evoluiu e nesta sexta edição não só dilatou a duração para três dias, como aumentou o número de cirurgias, 35, os países participantes e os cirurgiões envolvidos. As cirurgiãs do SAMS farão a sua intervenção entre as 12h00 e 13h00 do dia 13 de outubro, diretamente do Hospital dos Olivais.
P – Como se dá a vossa participação neste curso?
R – Fomos convidadas pelo presidente da Sociedade Francesa de Cirurgia do Ombro e Cotovelo, Dr. Jean Kany,
porque participamos em múltiplos eventos científicos em que divulgamos as técnicas que utilizamos no tratamento de patologias diversas do ombro e do cotovelo.
P – Nesta sexta edição há novidades…
R – Sim, há. A componente do treino em cadáver é realizada em Toulouse, onde opera o Dr. Kany, e também em Brisbane, na Austrália, onde trabalha o Dr. Ashish Gupta.
Os outros dois dias são dedicados à transmissão das cirurgias ao vivo, com o interesse de este curso ser realizado consecutivamente, acompanhando-se cirurgias em vários pontos do mundo, da Europa à Ásia, à Austrália, aos Estados Unidos, com diferentes fusos horários, e em que as cirurgias estão a ser realizadas mesmo nas instituições em que trabalham os especialistas.
P – O que está previsto para a vossa intervenção?
R – O objetivo é realizarmos a cirurgia especial para tratar lesões muito graves de um grupo de tendões do ombro, que quando se rasgam não são passíveis de ser reparados – só com esta técnica é possível tratar a disfunção daí resultante. Esta cirurgia tem uma indicação muito rara para uma patologia em si rara e a nossa técnica já foi descrita na revista do Sindicato (O Bancário n.º 211, fevereiro de 2020). Como começámos a fazer a técnica muito cedo e em Portugal ainda somos praticamente as únicas a utilizá-la, os nossos resultados são muito acompanhados. E embora no mundo já haja quem faça como nós, a parte original é nossa, e daí este convite de Jean Kany para fazermos a técnica original, desde a colheita do enxerto na coxa, que é uma parte muito original e inovadora, até à parte da cirurgia no ombro, que é minimamente invasiva por ser artroscópica.
Prevenir imprevistos
P – A cirurgia será realizada num doente que já acompanham?
R – O doente ainda não está selecionado. Vamos ter dois doentes agendados, mas, neste contexto de pandemia, um deles, ou mesmo os dois, pode testar positivo e a cirurgia ter de ser adiada. Ou pode surgir algum problema no bloco operatório, ou qualquer outro inconveniente. Por não podermos adiar a transmissão, como alternativa já gravámos a cirurgia de um dos doentes que operámos, de forma a garantir que no momento da transmissão em direto temos este back-up, que é exequível e já está combinado com os organizadores. Nesse caso, será uma cirurgia relive, filmada do princípio ao fim e depois transmitida, não em direto, mas como se fosse. Lá estaremos para comentar tudo, com o presidente do Congresso e com o chairman, o Dr. Ashish Gupta, e a discussão será transmitido ao vivo.
De salientar que é garantido o anonimato dos doentes envolvidos, não sendo possível identificá-los, além de previamente terem concordado com a divulgação para fins científicos.
P – Quantas pessoas previsivelmente estarão a assistir à cirurgia?
R – Na última edição, antes da pandemia de Covid-19, assistiram ao curso mil cirurgiões dedicados a esta subespecialidade. A expectativa é que agora a adesão seja superior.
O impacto do curso, o grande atrativo de diminuir a pegada de carbono – evita a todos estes conferencistas circularem pelo mundo – e a vantagem de perder menos dias de trabalho são fatores para a grande adesão da comunidade científica e ortopédica.
Ou seja, os doentes não ficam prejudicados por uma ausência tão prolongada dos ortopedistas dos consultórios e das cirurgias.
P – Quais são as vossas expectativas com esta participação?
R – Apesar de esta técnica já estar divulgada e publicada em revistas científicas americanas de alto impacto e de os artigos terem sido muito citados, nunca chegamos a todos os colegas.
O que aprendemos no nosso percurso de ensino pós- graduado e entre pares é que há sempre um grupo de colegas que não conhece completamente ou tem receio de fazer a técnica, até porque a parte da colheita parece complicada. A nossa expectativa é que vendo a cirurgia a acontecer ao vivo, com a colheita e depois a passagem do enxerto para dentro da articulação do ombro, percebam que na verdade a nossa técnica é bastante simples – é uma questão de cumprir todos os passos de forma metódica – e mais colegas adiram, porque esta técnica é uma solução muito boa.
Temos informação de que todos os colegas que já a realizaram tiveram também bons resultados, e daí a expectativa de uma maior implementação, de forma global, dando-lhe mais visibilidade. Ao assistir à cirurgia, connosco a fazê-la, a comentar e a responder a perguntas no imediato, percebam que é uma cirurgia exequível.
É uma forma de fazer chegar até nós, em tempo real e simultaneamente, ortopedistas do mundo inteiro, sem terem de deslocar-se ao hospital do SAMS.
Doentes externos vêm ao SAMS
P – A vossa técnica traz ao SAMS doentes de fora?
R – Sim, de todo o continente, das ilhas e até do estrangeiro. Já operámos doentes recomendados por colegas de outros países, bem como doentes, nomeadamente bancários, que tiveram conhecimento destas opções através da revista e vêm por iniciativa própria, ou referenciados por colegas que conhecem as técnicas que utilizamos.
Apesar de ser uma cirurgia com alguma complexidade, é perfeitamente exequível em regime de ambulatório – o doente entra no próprio dia, passa uma noite e sai na manhã do dia seguinte – tornando tudo mais fácil.
Temos muita experiência, a maior parte casuística, por isso é natural que os colegas prefiram encaminhar os doentes para nós e assim terem uma probabilidade de sucesso superior. Esta cirurgia não é infalível, não há uma cirurgia perfeita. Mas é uma solução para um problema muito complicado...
P – Têm o apoio do SAMS nesta iniciativa?
R – Sem dúvida. Sem a colaboração do coordenador de Ortopedia, Dr. Carlos Ferreira, da Direção do Hospital e da Direção Clínica, seria impossível. Têm sido inexcedíveis, porque logisticamente não é fácil.
É preciso que as chefias tenham a visão de que fazer a divulgação das inovações do SAMS é importante para mostrar que aqui se trata os doentes ao mais alto nível, com técnicas muito diferenciadas que beneficiam os doentes, e assim não têm de ir a outras instituições.
E temos equipamentos inovadores. Este tipo de cirurgia implica a utilização de material sofisticado, implica um investimento da Instituição e apoio para que se possa utilizá-lo. A artroscopia utiliza equipamento muito caro e no SAMS utiliza-se equipamento de ponta. E isso traduz-se em melhores resultados para as pessoas.